O texto abaixo foi publicado originalmente no Especial de Natal do Jornal "A GAZETA DO POVO" de Campina das Missões, Rio Grande do Sul, em 23 de dezembro de 2014.
É de autoria de nosso colaborador Sr.Jacinto A. Zabolotsky, Advogado, Mestre em Direito.
"Sou um desses privilegiados que
acorda com o canto do sabiá. Canta todas as manhãs deve estar numa laranjeira,
pessegueiro ou em algum quintal da cidade. A única palmeira em que vi sabiá
cantar foi no poema de Gonçalves Dias. Talvez porque aqui não existam
palmeiras, apenas coqueiros, desses que dão pequenos cocos amarelos.
Dado o esclarecimento, explico agora porque sou um privilegiado. Poderia ser
despertado por um despertador ou outras maneiras bruscas, que jogam a gente
diretamente do sono na luta cotidiana. Não. Despertar ao canto do sabiá é
acordar aos poucos, é ir tirando os véus do sono lentamente, é ir abrindo os
olhos para a realidade de forma suave, sem choque. Quem acorda assim sai da
cama com ânimo arredondado, sem aspereza na voz e nos gestos, em paz com o
mundo.
Todo dia 05 de outubro é celebrado o
dia do pássaro e desde 2002, o Sabiá Laranjeira tornou-se por lei a ave símbolo
do Brasil. Já no século XIX, nosso grande poeta Gonçalves Dias, aclamara esse
pequeno notável na Canção do Exilio “Minha
terra tem palmeiras aonde canta o sabiá, as aves que aqui gorjeiam, não
gorjeiam como lá.”
Mas não termina aí. Durante do dia,
da janela do escritório, é possível, não só ouvir, mas ver como eles são. Nesta
época do ano, antes do Santo Natal, eles se exibem em plena forma física e de
plumagem e, nos finais da tarde, cantam copiosamente, tanto cantam que a gente
perde até o jeito de se queixar do cansaço do dia. Como queixar-se de um dia
que terminou tão sonoro, com cantos tão apaixonados?
Falei em canto, no plural, mas
ninguém se engane. Embora sejam muitos sabiás, nunca ouvi um coro deles. Também
nunca ouvi uma balbúrdia, um querendo se fazer ouvir mais do que os outros. O
sabiá canta sempre em solo. Pode até dar a impressão de que existe um único
sabiá. Acho que Gonçalves Dias, pensou quando escreveu que minha terra tem
palmeiras onde canta “o” sabiá. Não escreveu “onde cantam sabiás”. E não foi
por causa da rima, que esse problema de rima se dá um jeito de resolver. Foi
porque de fato o canto do sabiá parece vir de um único sabiá. Os gorjeios
variam a distância de que vem o canto parece maior ou menor, mas a sensação que
se tem é de que o cantor é sempre o mesmo.
A conclusão a que chego é de que os
sabiás também gostam de ouvir sabiá cantar. Quando um deles limpa a garganta e
inicia seu trinado, os outros fazem silêncio e ficam apreciando. Essa hipótese
explicativa baseia-se, é claro, na teoria da harmonia cósmica, em que todos os
seres se amam e respeitam mutuamente. Mas pode ser que a teoria certa seja
outra, a do conflito universal. Nesse caso, o que os sabiás fazem, cada um por
sua vez, é participar uma competição para saber quem canta melhor. O prêmio,
sabe-se lá, pode ser a conquista as sabiá mais bonita ou mais jeitosa. Nesse
caso, haveria também entre elas concursos de beleza ou de dotes. Tudo muito
complicado. Por isso, prefiro a primeira teoria: o canto do sabiá fala da
harmonia do mundo, dando um exemplo, as pessoas, que nesta época do ano, ficam
mais sensíveis, por isso FELIZ NATAL a todos!"