Asilo na zona sul da cidade conserva
tradições, datas comemorativas e cozinha russa e tem biblioteca com mais de mil
títulos na língua .
Vanessa Pilz
Especial para
Gazeta Russa
Na Rua dos Cafezais, zona Sul de São Paulo
uma casa de muro claro e portão alto abriga 22 idosos que testemunharam boa
parte das tragédias e mudanças do século 20 ao redor do mundo. A mnaior parte é
de imigrantes de origem russa que vieram para o Brasil no início do século
passado.
“Aqui conservamos todas as tradições russas.
Há bandeiras da Rússia nos cômodos, objetos típicos do país e uma
biblioteca com mais de mil livros
russos”, enumera Igor Chnee, presidente da Sociedade Filantrópica Paulista há
17 anos.
Fundada em 1946 por um grupo de imigrantes
russos que enriqueceram com o cultivo de café em São Paulo, a Sociedade Filantrópica Paulista
é administradora do Lar São Nicolau. A ideia do asilo surgiu quando um desses imigrantes,
Arkadij Selianinov, encontrou um idoso russo deitado em uma calçada no centro de São Paulo. Foi então que decidiu
ajudar os compatriotas que ao tiveram
mesma sorte no Brasil.
Caçula
Alexandre Rogulin, 80 anos, é o morador mais
jovem do lar e mudou-se para lá há dez anos. Sua mãe nasceu na Estônia e o pai
na Rússia. Casaram-se em São Petersburgo
e se mudaram para os Balcãs em 1917, onde ele nasceu. Seu pai era oficial da monarquia russa e achou
melhor deixar o país após a revolução ocorrida naquele ano.
Nascida na antiga Iugoslávia, Alexandre se
mudou para o Brasil com os pais aos 19 anos, logo depois da Segunda Guerra
Mundial, quando as duas irmãs mais velhas já moravam no pais. Ele se naturalizou brasileiro nove anos depois. Antes disso, casou-se com uma
brasileira de ascendência russa. O casamento durou apenas quatro anos – ele queria
filhos, ela não. Ex-professor de ioga, ele parou de praticar há apenas alguns
anos, mas continua se dedicando à
leitura de sábios espirituais e
lecionando russo, já que é um dos poucos idosos que podem sair sem autorização
da família.
“Era um menino quando conheci um velho místico de
passagem pelos Balcãs. Ele tinha uma aura diferente e isso me atraiu. Ali
começou meu interesse pelos assuntos místicos, que eu desenvolveria mais tarde
no Brasil”, conta Alexandre.
Idosos do Lar São Nicolau frequentam capela ortodoxa, entre outros elementos russos
Pessoas importantes
A maior parte dos residentes do lar são
russos, bielorrussos e ucranianos naturalizados, mas há também idosos nascidos
no Brasil, na Iugoslávia e Alemanha. Alexandre, por exemplo, nunca voltou à
terra natal.
No lar, ele recebe visitas de parentes,
principalmente em datas comemorativas,
quando as famílias dos idosos são convidadas para almoços ou jantares no local.
“ O bufê de dona Elena é imbatível”, elogia, referindo-se à supervisora geral
do Lar São Nicolau, Elena Konovalova.
Elena conta que o asilo já recebeu pessoas importantes entre seus moradores. “Já acolhemos uma
senhora formada pela universidade de Cambridge, um idoso que falava sete línguas,
uma bailarina russa e até uma prima do
tsar Nicolau II. Pessoas muito cultas, que tiveram experiências muito ricas,
mas, infelizmente, em alguns casas a doença acaba apagando esse passado”, diz.
Café na cama
Segundo Elena, alguns idosos recebem até “mordomias”,
como café d manhã na cama, quando não querem ir ao refeitório. Não é o caso de
Maria Filonas Yacovlevna, de 92 anos.
Ela reclama do horário do café da manhã, que é servido “muito cedo”, mas não pretende fazer o
desjejum na cama em breve. “Enquanto eu estiver bem e andando, irei levantar
para tomar o café na cozinha”, afirma.
Filha de russos, Maria nasceu na Lituânia em
1920 e mudou-se com a família para o Brasil quando tinha seis anos de idade. “Antes
de eu nascer, meu pai morou oito anos nos Estados Unidos e lá ouviu falar muito
de São Paulo. Diziam que era uma cidade moderna, que tinha boas oportunidades
para todos”, conta Maria.
O Lar São Nicolau é hoje a única casa de
repouso para idosos de ascendência russa da
América Latina.
Artigo publicado na Gazeta Russa em 13 de junho de 2012
A Gazeta Russa é publicada quinzenalmente na Folha de São Paulo.
www.gazetarussa.com.br
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